Maria Greger: Reflexões de uma veterana do design
Desde que se juntou à Mazda em 1995, Maria Greger tem assistido a muitas mudanças no sector automóvel, nomeadamente na sua vertente: o design de interiores. Antes de se reformar, em 2021, a ainda Directora de Cores e Materiais no Centro de Design da Mazda Europa analisa mais de um quarto de século em que passou a desenhar interiores de automóveis, partilhando os seus pensamentos sobre as tendências de cor, a mobilidade futura e o respeito da Mazda pelo conceito “Human Touch”.
Como é que se cria um ambiente acolhedor a partir de um habitáculo de um automóvel?
Com qualidade e perícia. Sendo uma empresa japonesa, a Mazda respeita a ênfase tradicionalmente colocada pelo Japão no trabalho artesanal. Baseia-se numa meticulosa atenção ao detalhe. Actualmente temos de nos habituar ao facto das áreas de superfície estarem a desaparecer dos habitáculos. Onde antigamente estava um painel de instrumentos e uma consola central com interruptores e manípulos, estão agora grandes ecrãs integrados no ambiente. Não existem cantos, arestas e ornamentos. O objectivo é, claramente, melhorar a sua capacidade de utilização, mas isso torna mais difícil o nosso trabalho de designers de cores e de materiais. Enquanto designer, fico contente se conseguirmos manter os manípulos e interruptores, bem como transmitir uma sensação de apelo, seja óptico ou háptico. Estas são, para mim, pequenas preciosidades e nós criamo-las com um cuidado especial. Talvez o condutor não se aperceba de imediato, mas estes detalhes contribuem para uma sensação de qualidade no habitáculo e para uma atmosfera agradável.
Qual é a visão da Mazda?
A Mazda assumiu, desde 2010, a filosofia de design Kodo, palavra que, em japonês, significa “Alma do Movimento”, representando o poder e a beleza do movimento.
Como é aplicado na prática?
A Mazda sabe que as máquinas e a tecnologia não substituem a perícia e o toque artístico da mão humana e isto aplica-se a todas as fases do processo de desenvolvimento de um veículo, em especial na fase de modelação, com os modelos trabalhados em argila. Os artesãos Takumi – os que se encontram no topo da hierarquia do seu ofício – conseguem polir o metal até ficar tão fino quanto uma lâmina de barbear e os engenheiros colocam as pessoas no foco de todas as suas considerações. Depois existe o Kodo que, no Mazda3, por exemplo, faz despertar emoções de movimento através de um jogo de luzes e sombras que se espelham nas superfícies da sua carroçaria.
Como evoluiu o design dos interiores durante o tempo em que está na Mazda?
Os materiais e o artesanato tornaram-se ainda mais importantes do que já o eram e os esforços que os designers de Cores e Materiais fazem ao selecionar os materiais para o habitáculo aumentaram em conformidade. As características e os detalhes, bem como a qualidade global do habitáculo, evoluíram muito ao longo dos anos. Basta olharmos para a pele, a madeira e os acabamentos metálicos que estão agora disponíveis.
Fale-nos mais sobre o processo de design na Mazda Research Europe.
Na Mazda Research Europe, em Frankfurt (Alemanha), focamos no mercado europeu, investigando e seleccionando as tendências que mais importam para a Mazda. De seguida, usamo-las como base para os nossos designs. Tomemos como exemplo um modelo futuro, imaginando como poderá ser um automóvel que ainda não existe, propondo materiais, cores e interiores completos, enquanto os nossos colegas no Japão e nos EUA estão a fazer o mesmo. Os resultados são depois apresentados à sede, aos responsáveis pelo produto final. A propósito, eles têm estado a fazer um excelente trabalho, mas gostaria, também, de acrescentar que alguns dos conceitos desenvolvidos em Frankfurt, como os aplicados no Mazda CX-30, foram aceites tal como os propusemos.
Quando soube que queria ser designer de interiores?
Considerei tornar-me designer de interiores quando estava no meu 10º ano dos estudos, mas decidi, no entanto, quando terminei a escola, estudar design de têxteis. Utilizei a minha rede contactos: um colega de estudos trabalhava para uma companhia em Trier, na Alemanha, que produzia tecidos para a indústria automóvel. Candidatei-me e fui contratada. Ao início, não tinha noção de quão ligado estaria o meu trabalho ao design de produtos têxteis, mas quando mudei para a Mazda, foi – para ser honesta – muito entusiasmante para mim, uma vez que estaríamos a desenhar interiores para um espaço relativamente reduzido, com vários tipos de superfícies e cores. Os têxteis dos habitáculos são dos tecidos mais tenazmente testados no mundo, mas igualmente dos mais baratos, se os compararmos com os utilizados pela indústria do mobiliário. Isto transforma o meu trabalho num desafio constante, o de produzir designs verdadeiramente excelentes.
Como supera esses desafios?
Eu e os meus dois colegas da equipa de Cores e Materiais em Frankfurt mantemo-nos permanentemente informados. Vamos a eventos relacionados com o mundo da moda, do design e da indústria do mobiliário, a fim de sondar o mercado e identificar as tendências.
Como as tendências previstas por Li Edelkoort[1]?
Já a viu ao vivo? Ela é muito carismática, tem uma grande intuição e consegue apelar à sua audiência. Ela é brilhante no que diz respeito a captar e revelar tendências.
Vamos falar de cores. Parece que estamos presos às mesmas de sempre. O que se espera que o futuro possa trazer?
Acho que o branco é um bom exemplo! O branco esteve em voga nos últimos anos e ainda por cá anda. O facto é que o valor de revenda continua a ser um argumento importante para as pessoas na hora de escolherem uma determinada cor, por isso, muitos compradores acabam por ir na direcção do cinzento, do preto ou do branco. A Mazda definiu o seu próprio caminho com o vermelho, criando tons icónicos para os seus designs Kodo. Estou orgulhosa de poder dizer que fomos criadores de uma tendência neste particular, fazendo renascer o vermelho, não só aplicado em veículos de cariz desportivo. No que diz respeito ao futuro, há um movimento global na direcção de tons mais quentes, por isso acho que vamos começar a vê-los cada vez mais. Penso, igualmente, que vamos ter mais automóveis verdes, uma vez que esta é uma cor que está também a regressar ao mundo da moda, mas nunca se sabe. Em qualquer um dos cenários, vamos continuar a ter muitos tons de cinzento.
Quais são os principais desafios para a sua equipa?
Precisamos de acompanhar as novas tecnologias e as novas formas de mobilidade. Os automóveis estão a ficar mais limpos a nível visual, integrando cada vez mais ecrãs. Assim, a questão para nós, designers, é: Consigo criar uma atmosfera agradável apesar disso tudo? E tem de ser mais do que simplesmente agradável, tem de ser intuitiva. Para além disso, estamos ainda a tentar utilizar materiais e formas para aumentar o nível de concentração do condutor. Por isso, é de facto bastante emocionante trabalhar no desenho e desenvolvimento de interiores.
Qual é o problema fundamental associado à mobilidade?
É um assunto complexo. Ainda há um pensamento a muito curto prazo na indústria automóvel. Os veículos eléctricos estão a chegar ao mercado e acho que a tecnologia do hidrogénio não estará assim tão longe. Mas penso que devemos colocar a mobilidade no centro da questão e depois, na fase seguinte, determinar que tipo de veículo devem ser produzidos para ir ao encontro das necessidades de mobilidade, evitando abordar esta questão no sentido inverso. Temos de pensar, também, noutro tipo de questões, como por exemplo, quantos jovens vão querer conduzir no futuro. O planeamento urbano e da mobilidade devem ser desenvolvidos em conjunto, cooperativamente, lado a lado. De qualquer forma, é um tópico fascinante que vai, certamente, acompanhar-nos durante algum tempo.
Existe algum automóvel que sonhe desenhar?
Nem por isso. Estou muito satisfeita com o CX-30, um pequeno SUV que nasceu perfeito; é, provavelmente, o melhor veículo em que alguma vez trabalhei, especialmente tendo a carroçaria pintada em Soul Red Crystal. Não é demasiado grande, tem bancos muito confortáveis e muito bons materiais e acabamentos. As suas dimensões agradam-me bastante, uma vez que ando quase sempre sozinha. O MX-5 é outro automóvel que me entusiasma. Apesar de ser, na verdade, um quase segundo veículo, é para mim um pequeno carro de sonho, muito divertido de conduzir.
Qual o aspecto da sua longa carreira que mais se destaca?
Fazer parte de uma equipa internacional com tantas culturas diferentes. Temos pessoas de toda a Europa e de fora dela, sendo, por isso, fascinante trabalhar com japoneses e outras nacionalidades asiáticas, bem como com americanos ou pessoas de outros países, aprendendo as suas culturas. Isto tem sido uma grande experiência para mim.
Num potencial regresso ao passado, que conselho daria a si mesma, enquanto jovem?
Desfrutar de tudo o que se faça e motivar e inspirar os outros a fazer o mesmo. Olhando para trás na minha carreira, tenho de admitir que estou muito satisfeita com o meu papel. As cores e os materiais são o meu mundo!